A Epidemiologia no enfrentamento à pandemia de coronavírus - parte 2

Mulher com máscara pega álcool em gel para limpar suas mãos

Por Professora Ethel Leonor Noia Maciel - Epidemiologista em doenças infecciosas

Há países que investem na ciência, fazendo com que ela avance rapidamente. Entretanto, no Brasil, devido a tantos cortes de investimentos sofridos nos últimos anos, o avanço tem sido mais lento, impactando tal desinvestimento em precarização de laboratórios e desarticulação de grupos de pesquisa.

O mês de abril trouxe, no entanto, novas descobertas. A forma como os países enfrentaram a pandemia demostra mais ou menos sucesso, o que pode ser verificado pelo número de mortes e pelo tempo de colapso do sistema de saúde. A Epidemiologia foi posta à prova por meio de três estratégias. A primeira, adotada pelo Reino Unido, da imunidade em massa. Deixa a doença seguir seu curso natural e infectar e causar os casos graves. Nas duas primeiras semanas, a estratégia mostrou-se tão inefetiva e a pandemia tão velozmente violenta que o colapso de um dos melhores sistemas de saúde do mundo chegou quase ao limite. As autoridades precisaram então assumir a segunda estratégia. A mesma adotada pelos Estados Unidos, pelo Brasil, dentre outros países, isto é: o isolamento social para desacelerar a curva. Serviços essenciais e outros considerados importantes foram autorizados a funcionar e todos os outros permaneceram fechados, assim como escolas e qualquer evento com aglomeração. A terceira estratégia foi adotada pela Nova Zelândia e Austrália: o isolamento social restritivo, com apenas serviços essenciais abertos, estratégia denominada esmagamento da curva. Essa estratégia visa proteger todos os cidadãos de se contaminarem, através do fechamento de fronteiras precoce e monitoramento em tempo real de todos os infectados com medidas duras para a contenção da propagação do vírus. Dentre as duas últimas, ainda é cedo para saber qual estratégia de controle epidemiológico será mais efetiva a longo prazo.

No Espirito Santo, desde o dia 22, estamos sob o decreto dos mapas de risco, que definiram os municípios de acordo com sua classificação de risco em baixo, moderado, grave e extremo. Até o momento não temos nenhum município classificado como extremo. Essa classificação é dinâmica e visa atualizar semanalmente o risco dos municípios, de acordo com o número de casos e a capacidade hospitalar do Estado. A ideia é termos parâmetros para monitorar a doença no longo prazo, já que as últimas pesquisas revelam que sem uma vacina ou sem um medicamento efetivo, poderemos conviver com a doença pelos próximos 18 ou 24 meses. A gestão de risco tem dois objetivos principais, proteger as áreas classificadas como risco baixo ou moderado e também conter a mobilidade das áreas de risco grave. Sendo os dois objetivos cumpridos, teremos um controle epidemiológico em médio e longo prazo.

Outro ponto, não menos importante, é a falsa dicotomia entre isolamento social e economia. Digo falsa, pois o isolamento é uma estratégia de saúde pública e a economia tem suas próprias estratégias, que devem ser colocadas em ação durante uma crise econômica. Quando tivemos a reforma trabalhista, os economistas não vieram até nós (profissionais da saúde), para nos consultar sobre os impactos desta reforma na saúde dos trabalhadores. Assim como não fomos consultados quando, na crise de 2008, os bancos receberam investimentos trilionários, retirando dinheiro da saúde e da educação. Agora, em um momento crucial da vida de milhões ao redor do mundo, esses mesmos economistas, querem que os profissionais da saúde abram mão da única estratégia que temos para salvar vidas. Agora, meus senhores, nossa resposta deve ser NÃO! A economia terá que desenvolver suas próprias estratégias, sem macular a única estratégia de saúde pública. Aqui não há dilema, há a única escolha possível: SALVAR VIDAS!

E quando devemos voltar à normalidade? É a pergunta que mais me fazem. A resposta no momento é: teremos que nos adaptar a uma nova normalidade. As aglomerações farão parte do passado por um tempo, o distanciamento terá que ser nossa nova etiqueta e as relações mais virtuais que esperávamos. Isso nos impulsiona a buscar novas estratégias, principalmente frente às desigualdades em nosso país e em nosso Estado. Diminuir o enorme fosso entre aqueles que têm acesso ao mundo virtual e aqueles que não têm será a nova fronteira da redução de desigualdade. De que forma lidaremos com isso? Esse será nosso maior desafio! Em alguns países, escolas ofertaram equipamentos e pacotes de acesso à internet para os estudantes em situação de vulnerabilidade. Sabemos, no entanto, que há situações mais urgentes em nosso Estado, pois há falta de alimentação adequada, há falta de moradia decente. Condições básicas de vida que precedem o acesso à internet. É preciso construir novos paradigmas. É preciso se indignar com a escassez e a falta de oportunidades, uma das doenças produzidas pela nossa sociedade. Encontrar a cura, com programas estruturados de habitação e emprego, nos farão encontrar a saída mais rápida para as próximas crises que virão. E elas virão certamente.

Leia também o artigo anterior desta série:
A Epidemiologia no enfrentamento da pandemia de coronavírus 

Publicado em 27 de Abril de 2020.

Imagem ilustrativa: Tirachards/Freepik

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